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segunda-feira, 28 de outubro de 2013

1. ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia; SILVA, Lorena Bernadete. Juventudes e sexualidade.

1. ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia; SILVA, Lorena Bernadete. Juventudes e sexualidade. Brasília: UNESCO Brasil, 2004. A obra Juventudes e Sexualidade, de Mary Garcia Castro, Miriam Abramovay e, Lorena Bernadete da Silva é resultado de uma pesquisa realizada em 13 capitais brasileiras e no Distrito Federal, que envolveu alunos/as, pais e mães, educadores/as e membros do corpo técnico pedagógico dos quatro últimos anos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio de escolas públicas e privadas. A partir do argumento de que ao estudar fenômenos sociais não é possível privilegiar uma única abordagem de pesquisa, essa investigação combina duas abordagens: uma extensiva e uma compreensiva. A extensiva, tipo survey, procurou mapear o alcance das representações sobre diferentes dimensões da sexualidade. A compreensiva buscou, através de uma reflexão sobre os dados levantados, compreender nuances e inscrições identitárias dos sujeitos da pesquisa a partir de suas experiências e representações. Segundo as autoras, a combinação de técnicas diferenciadas permite captar com maior fidedignidade o discurso dos sujeitos e realizar um estudo mais profundo do fenômeno, em termos de sua amplitude e complexidade. Dessa forma, foi feito o mapeamento do comportamento e posição dos sujeitos pesquisados a respeito de diferentes questões tais como: iniciação sexual, virgindade, formas de interação afetivo-sexual como o “ficar” e o namorar, diálogos de adultos de referência a respeito de sexualidade, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência, métodos contraceptivos, aborto, tipos de violência como assédio, estupro e homofobia e trabalhos desenvolvidos na escola sobre sexualidade. A seleção da amostra foi realizada com base em um cadastro previamente elaborado a partir dos dados do Censo Escolar de 1998. Num universo de 11.442 escolas, 122.198 turmas e 4.658.710 alunos/as foi selecionada uma amostra de 241 escolas, 661 turmas e 16.422 alunos/as. Na pesquisa extensiva, foi aplicado um questionário fechado aos/as alunos/as da amostra, 4.532 familiares desses/as alunos/as e 3.099 membros do corpo técnico-pedagógico (professores/as, coordenadores/as, supervisores/as e orientadores/as educacionais) das escolas selecionadas, cujas respostas foram tratadas estatisticamente. Na pesquisa compreensiva, a partir de um roteiro pré-elaborado, realizou-se a observação in loco das 241 escolas da amostra com o objetivo de dar um significado sociológico aos dados e registrar informações sobre o comportamento dos sujeitos no ambiente escolar. Também foram realizados 173 grupos focais, sendo que 107 com alunos/as, 29 com familiares e 37 com professores. Além disso, foram realizadas 185 entrevistas individuais com diretores/as das escolas investigadas. O tratamento dos dados foi feito por meio de uma análise de conteúdo que possibilitou identificar e classificar as categorias mais significativas. Inicialmente, as autoras problematizam o conceito de sexualidade, fazendo uma reflexão histórica sobre as teorias associadas ao tema e salientam o surgimento dos movimentos sociais que lutam por direitos humanos. Esclarecem suas concepções sobre juventude e refletem sobre o espaço que esta vem ocupando no panorama das inquietações mundiais, o que faz com que questões que lhe dizem respeito, tais como saúde, educação e sexualidade adquiram uma dimensão cada vez maior. O termo “juventudes” é utilizado em virtude dos diferenciais de gênero e idade, e também da variabilidade de situações percebidas conforme a região de pertencimento desses/as jovens. Assim, não cabe caracterizar a juventude brasileira, mas “juventudes brasileiras”. Tratam, ainda, da função da escola na educação sexual de seus/suas alunos/as, discutem as dificuldades encontradas pelos/as professores/as para trabalhar o tema, chamam atenção para a necessidade de projetos condizentes com o contexto no qual os/as alunos/as estão inseridos. Com base nos dados do Censo Escolar de 1998 analisam o característico sócio demográficas da população investigada: a maioria dos/as estudantes é do sexo feminino; o grupo etário mais significativo é de 15 a 19 anos; a maioria pertence a famílias nucleares e mais de 25% tem pais e mães cuja escolaridade situa-se entre a quinta e a oitava séries do Ensino Fundamental. No capítulo sobre a iniciação sexual dos/as jovens, constata-se que 10% dos/as estudantes entre 10 e 14 anos tem vida sexual ativa caracterizada por contatos com apenas um parceiro,contrapondo-se, assim, a difundida ideia de uma “promiscuidade” sexual entre os jovens. A idade média da primeira relação sexual varia dos 13,9 a 14,5 anos nos jovens e dos 15,2 a 16 anos nas jovens. Apesar de a maioria dos/as alunos/as considerar o sexo importante tanto para homens quanto para mulheres, e não valorizar a virgindade, esta ainda aparece como um marco na diferenciação dos gêneros em nossa cultura. Considerando-se a fala dos sujeitos entrevistados, é possível perceber a existência de uma auto cobrança por parte dos jovens, de uma atividade sexual mais precoce e intensa, como forma de se diferenciar do feminino e ser considerado adulto. Jovens e adultos veem o “ficar” de maneira distinta. Para os/as jovens o “ficar” aparece como uma interação afetivo-sexual na qual se pode lidar de forma mais simples com as questões referentes ao namoro, considerado mais rígido. Pais, mães e professores/as, por sua vez, entendem o “ficar” como um tipo de relacionamento que desconsidera valores importantes numa relação homem-mulher. Para muitos/as alunos/as entrevistados/as o “ficar” desobriga à fidelidade, esta aparece mais comumente associada ao namoro. Mais da metade dos/as jovens entrevistados/as afirma que buscam informações sobre sexo com colegas e amigos. É interessante notar que a proporção de mães que aparece como fonte de informação é praticamente a mesma dos colegas e amigos. Isto indica a valorização da família como orientadora em relação à sexualidade dos filhos e filhas. Entretanto, um terço dos/as alunos/as pesquisados/as afirmam não ter conhecimento suficiente sobre o tema, sendo que os jovens parecem estar um pouco mais bem informados que as jovens. Destaca-se o fato de que aproximadamente 65% dos alunos nunca fizeram perguntas sobre DSTs aos/as professores/as. Apesar dos/as professores/as demonstrarem ter mais conhecimento sobre o assunto que os familiares, falta pensar estratégias adequadas para informar seus/suas alunos/as sobre esse assunto. Embora reconheçam a importância da escola na educação sexual e na prevenção das DSTs, enfatizando a necessidade de capacitação dos/as educadores/as, alguns diretores e algumas diretoras declararam que não há um trabalho sistematizado para lidar com temas da sexualidade. Encontram-se iniciativas isoladas, geralmente em forma de palestras com especialistas da área da saúde que não tem nenhuma vinculação com a comunidade, as quais, além de esporádicas, são consideradas monótonas pelos alunos. Além das informações sobre sexualidade estarem distantes das vivências dos alunos, há registros de conflitos com os familiares que consideram a abordagem dessa temática incentivadora ou promotora da sexualidade dos/as alunos/as. O terceiro capítulo focaliza um dos graves problemas identificados na pesquisa: a gravidez precoce. Nas capitais estudadas, a primeira gravidez ocorre, em média, aos 16 anos. Contudo, das jovens entrevistadas, 14,7% declararam ter engravidado, pela primeira vez, entre dez e 14 anos. O percentual de alunos e professores que afirmam ter conhecimento de jovens grávidas, menores de 18 anos, na escola, é muito alto. A gravidez na juventude é percebida pelos sujeitos como “problema”, principalmente devido à consequências tais como: afastamento dos estudos, necessidade de trabalhar em lugar de estudar e constituição prematura de uma família. Embora o percentual seja baixo, a discriminação em relação a essas alunas também aparece, visto que o estudo mostrou que há alunos/as que afirmaram não querer mães solteiras como colega de turma. Em se tratando de familiares esse percentual é maior. O estudo revela que a maioria dos/as jovens, independente do sexo, conhece e utiliza algum método contraceptivo. Entretanto, uma minoria significativa (cerca de 20% em algumas regiões) não utiliza método anticoncepcional algum. As autoras constataram uma associação entre o uso de métodos anticoncepcionais e o ciclo de vida, pois conforme aumenta a idade, aumenta a preocupação dos/as jovens com a contracepção. O método mais citado é o preservativo. É interessante notar que esse método é bastante popular entre as meninas o que demonstra uma mudança na cultura de gênero e sexualidade, já que até recentemente muitas garotas não carregavam camisinha com medo de ser consideradas “fáceis” pelos rapazes. Esse método é substituído pela pílula à medida que o relacionamento evolui para o namoro. Os adultos (familiares e professores/as) participantes do estudo apresentam o mesmo posicionamento quanto à distribuição de camisinhas na escola. Os que são favoráveis (65%) argumentam que a educação para a saúde é responsabilidade de todos, inclusive da escola e que a prevenção deve ser iniciada tão cedo quanto possível. Demonstram grande preocupação com a prevenção das DSTs e da Aids. Os que declaram ser contrários a essa distribuição representam 35% dos adultos. Uma parcela desses afirma que tal distribuição incentiva o sexo precoce e não é responsabilidade da escola. Outra parcela afirma ser contrária devido a motivos religiosos. Os estudantes entrevistados (42% a 68%, dependendo da região) afirmaram conhecer alguma jovem que fez aborto. A posição da maioria dos jovens e dos adultos da pesquisa em relação à prática do aborto coincide com a legislação brasileira. O aborto é justificado, portanto, quando: a gravidez decorre de um estupro, há risco de vida para a mãe, a criança pode nascer com algum defeito ou doença. O capítulo seis versa sobre a posição dos sujeitos da pesquisa a respeito da violência, especialmente o assédio sexual e também do preconceito e da discriminação, particularmente contra os homossexuais. O reconhecimento do assédio sexual mostra-se ambíguo porque este assédio é frequentemente rotulado como brincadeira, o que pode gerar dúvidas na vítima. Entre os jovens, o alvo mais comum de assédio são as meninas. Chama atenção que, entre os membros do corpo técnico pedagógico, os professores declararam-se mais assediados do que as professoras. Quando uma aluna é assediada por um professor, muitas vezes este é eximido da culpa e a justificativa pelo ato é imputada à postura da aluna e às suas roupas, consideradas como forma de provocação. Esta situação reproduz o que ocorre na sociedade, geralmente quando uma mulher sofre assédio sexual ela é vista como culpada da situação por não saber portar-se diante do sexo masculino. Os relatos de assédio ultrapassam o âmbito escolar porque muitos sujeitos descreveram casos ocorridos no ambiente familiar e também nas relações de trabalho, especialmente quando se trata do trabalho doméstico remunerado. Embora muitos casos sejam testemunhados, não são denunciados devido ao medo do agressor. Mesmo quando um processo de denúncia é iniciado não há prosseguimento da ação, instituindo-se assim uma verdadeira “lei do silêncio”. Em relação ao incesto, as autoras constataram que, muitas vezes, as mães silenciam, ignorando o fato mesmo quando há queixas concretas das filhas. Alguns professores e algumas professoras também se omitem de denunciar esses casos, argumentando que se configuram como assunto privado que precisa ser resolvido no ambiente familiar. Quanto à homossexualidade, o preconceito e a discriminação são evidentes. Aproximadamente 25% dos/as aluno/as entrevistados/as expressaram que não gostariam de ter um/a colega homossexual. Esse preconceito é maior entre os homens (de 33,5% a 44,9%, conforme a região). De acordo com as autoras, a discriminação com os alunos considerados homossexuais ocorre de forma velada, mediante referências pejorativas cujos objetivos são ridicularizar, humilhar, ofender, isolar e ameaçar essas pessoas. A postura de alguns professores e algumas professoras em relação à homossexualidade é ambígua. Apesar de não manifestarem uma oposição explícita, não combatem a discriminação e mostram-se coniventes em algumas situações, declarando que estas não passam de “brincadeiras, coisas sem importância”. No grupo dos familiares, um número muito significativo (22% a 48%, dependendo da região) declararam que não desejam que seus/suas filhos/as tenham colegas homossexuais. No grupo dos/as professores/as este percentual é menor: 2 a 6% afirmaram que não querem ter alunos/as homossexuais. Diferentemente do que foi verificado entre os familiares e os/as alunos/as, os/as professores/as apresentam maior aceitação da homossexualidade. Afirmam que o preconceito só existe entre os/as alunos/as, negam que alguns colegas discriminem os homossexuais. No entanto, muitos/as jovens relatam casos de alunos homossexuais discriminados explicitamente por professores/as. Ao concluírem a obra, as autoras argumentam que a orientação a respeito da sexualidade dos/as jovens brasileiros/as não pode ser pensada e realizada de forma homogênea, pois há que se considerar as diversidades regionais e de gênero. Elaboram sugestões para que o tema seja tratado com mais seriedade e eficiência pela escola, e, também, indicam a necessidade de serem implementadas políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento de uma efetiva educação sexual. Juventudes e sexualidade pode ser considerada a mais abrangente pesquisa realizada sobre sexualidade dos/as jovens no Brasil e apresenta um diagnóstico, ao mesmo tempo, surpreendente e preocupante. Expõe as contradições de uma sociedade cujas diferenças regionais são marcantes. Além disso, é uma sociedade que, embora pareça mais propensa a tratar da sexualidade, não consegue responder aos anseios dos/as jovens. O tema desperta curiosidade, prazer e amorosidade, mas também suscita temores e dúvidas tanto entre os/as jovens quanto entre os adultos responsáveis por sua formação. Considero que os resultados desse estudo reafirmam a urgência de que importantes ações precisam ser desenvolvidas para adequar a Educação Sexual aos/as jovens do século XXI: intensificar o diálogo, em casa, na escola e na mídia sobre o tema; discutir a responsabilidade sexual, a valorização da vida, os direitos humanos, sem a imposição de valores, mas incentivando a reflexão. CASTRO, Mary Garcia; ABRAMOVAY, Miriam; SILVA, Lorena Bernadete da. Juventudes e sexualidade. Brasília: UNESC

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